domingo, setembro 03, 2006

O OLHAR


Sou casado com uma fotógrafa. Meu pai adora fotografia e desde pequeno me vi fascinado por todo tipo de imagem parada. Ainda lembro de, pequeno, na casa de minha avó paterna em Ipanema, ficar parado horas folheando velhos álbuns de família. Aquelas imagens assentaram na retina e se fizeram memória. Escorreram pelo peito e, no coração, moldaram o afeto.

As revistas, hoje ítens esquecidos em consultório de dentista, tiveram seu papel. Mal sabia ler e adorava aquelas fotos estouradas de Manchete e O Cruzeiro.

Minha primeira máquina ganhei, de verdade, aos 14 anos. Meu pai me deu uma antiga Hasselblad, meio formato, em que nada era automático, tudo manual.

- Com essa você vai aprender a fotografar. - ele disse.

E eu aprendi. Apanhei, mas aprendi. A fotometrar a luz, escolher enquadramento. Algum tempo depois, ganhei tardes no laboratório da escola, mexendo nas químicas, me embebedando com os odores do processo de revelação.

Primeiro foi a paixão pelo preto e branco. Pela crueza dos contrastes, pela suavidade do cinza. Pelas moças que se arriscavam nesta arte, tão sensíveis, tão calorosas. Depois, vieram as cores e os experimentalismos psicodélicos.

A educação do olhar é fundamental. Pouco se fala sobre isso hoje. Parecemos viciados em olhares preparados por outros, olhares manufaturados, eletrônicos, pré-pagos. Vejo meus filhos e sofro. São tantos apelos visuais que o olhar tonteia. E me pergunto: distinguir, decifrar, desnudar o olhar são exercícios de uma outra época? Como educar o olhar para acreditar no belo, no instinto, no desejo, em meio a tanta mentira e impunidade? Na civilização dos óculos escuros e da câmera digital, a imagem se proliferou feito vírus. Está em tudo e em nenhuma parte. Todo mundo pega e ninguém sabe (nem quer saber) porquê. Mais uma ou menos uma, tanto faz.

- Viva o olhar desarmado! Liberdade para a cegueira voluntária!


Antonio Basílio (texto e foto)