quarta-feira, agosto 30, 2006

NEBLINA

Toninho Vaz

Se for verdade que costumo praguejar contra o calor de 40 graus do verão, também é verdade que me regozijo com o outono e o inverno da Cidade Maravilhosa. Agora, por exemplo, 7 horas e a neblina anuncia uma manhã fria (13º), limpa e ensolarada. Quer melhor? Providencie uma xícara de café fumegante e uma música suave pra tocar: When Joanna Loved Me, com Paul Desmond, por exemplo, pode ser terapêutico. Nada de cigarros, como manda o clichê – continuo fora da indústria.
Se houver tempo para ler um poema de inspiração matinal (antes da leitura do jornal), faça exatamente o contrário da simplicidade e puxe da prateleira o labirinto de Borges, o único poeta com moral pra rimar água com água e rio com rio:
.
Mirar o rio, que é de tempo e água,
E recordar que o tempo é outro rio,
Saber que nos perdemos como o rio
E que passam os rostos como a água
.
Às vezes, pelas tardes, uma face
Nos observa do fundo de um espelho;
A arte deve ser como esse espelho
Que nos revela nossa própria face
.
7 e 30 da matina. Do estúdio onde faço estas anotações posso enxergar no maciço da Tijuca, entre o denso nevoeiro, a majestosa colina conhecida como A Cara do Gigante, logo acima do Morro dos Prazeres. Levanto e vou até a janela: clic. À direita, como um espelho d´água, vejo nesgas da baía de Guanabara e da ponte Rio-Niterói. Ao fundo, quase no horizonte e aparentemente aos pés do Dedo de Deus, posso imaginar, mas não posso ver a Igreja da Penha, agora coberta pelo nevoeiro.
Com o foco da violência desviado para São Paulo, esta imensidão de cidade que se espraia até a Baixada Fluminense vive raros dias de trégua e calmaria, se considerarmos roubos de carros e assaltos relâmpagos como crimes secundários. A tendência de um espírito construtivista como o meu, cansado de guerra, é congelar a imagem e eternizar o equilíbrio majestoso da natureza, a harmonia dos contrários.
É o que a Marta Medeiros chama de “momento zen”; deixar para sempre na memória a parte suave e “boa” da vida. Ou da narrativa. Então, com os olhos fechados para o sol e o peito aberto para o abismo, continuo meu obstinado propósito de tentar evaporar – para acordar dois minutos depois.