domingo, dezembro 03, 2006

O MAESTRO

Foto site FIVB (www.fibv.org)

Alexandre Moreira Leite

Todos os meios de comunicação vão exaltar o bicampeonato mundial do vôlei brasileiro. E estão certos em fazer isso. Na história desse esporte nunca houve uma equipe como a nossa. Nem a Itália da década de 90, nem os Estados Unidos e a União Soviética da década de 80. Este é um grupo que se supera e se renova a cada conquista. Méritos do técnico Bernardinho e de sua comissão técnica. É impressionante como, a cada nova competição, os jogadores entram em quadra como se não tivessem vencido nada até hoje. E é igualmente impressionante como eles estão física e tecnicamente preparados. Não tem para ninguém. É aí que fazem diferença os 110%, o mantra que Bernardinho não cansa de repetir.

E o que mais me impressiona neste time é o espírito de grupo. Não me lembro de nenhuma outra equipe, em todos os esportes, que, durante tanto tempo, permanecesse tão unida. Unida ao ponto de grandes destaques do vôlei abrirem mão das glórias individuais e de fazerem questão de dizer isso publicamente.

Hoje, eu vou contra a este espírito de grupo. Por um motivo nobre. Vou fazer justiça a um craque. Ou melhor, a um cracaço. Quem pôde acompanhar este Mundial do Japão teve a chance de assistir a um desses momentos raros do esporte : um jogador fora de série em ação. Estou falando de Ricardo Garcia, o Ricardinho, levantador da seleção brasileira. O homem responsável pela preparação das jogadas. Neste campeonato, Ricardinho quebrou todos os paradigmas e reinventou o vôlei (que por sinal está sempre se reinventando). É lógico que jogar junto de um Giba, de um Dante, de um André Nascimento, de um André Heller, de um Escadinha e de um Gustavo ajuda. Talvez sem a ajuda e o talento deles, assim como de todos os reservas da seleção, o nosso levantador não tivesse tanto sucesso.

Em 1998, também no Japão, tive o privilégio de acompanhar o Campeonato Mundial. Muitos dos jogadores de hoje estavam naquele time, dirigido por Radamés Lattari. Maurício era o levantador titular e Ricardinho o reserva. O Brasil teve a oportunidade de chegar à decisão, só que, no jogo semifinal contra a Itália, uma contusão de Giba tirou a concentração da equipe. Eles terminaram em quarto. Mas quem me chamou a atenção naquela competição foi o Ricardinho. Como arriscava. Como inventava. Forçava tanto o jogo nos treinos que surpreendia os próprios companheiros. Dava para ver ali, apesar dos ocasionais erros, o nascimento de um craque. Não é segredo para ninguém que o vôlei é um esporte marcado, estudado e analisado pelos adversários. E nos jogos daquele Mundial de 98, quando ele entrava era um pandemônio no outro lado da quadra. Nem jogadores e nem técnicos ainda estavam preparados para Ricardinho.

Com a aposentadoria de Maurício e com a chegada de Bernardinho, ele teve a sua chance. Chegou devagarzinho. Garantiu a vaga de titular e depois se tornou o maestro do time. Imprimiu uma velocidade nunca antes vista ao ataque do Brasil, sem abrir mão da versatilidade de jogadas, marca registrada da equipe.

Agora, ele foi além da perfeição. Fez o Brasil jogar tão rápido que os bloqueios de times bem mais altos que o nosso não foram obstáculos. Variou tanto as jogadas que, por diversas vezes, os nossos atacantes finalizaram sozinhos. Mas, a grande novidade, o lance genial, foi conseguir manter este ritmo mesmo sem o passe nas mãos. Até hoje, era regra no vôlei : quando o passe não vem bom, bola alta de segurança na ponta. Isso já era. Passe nas placas de propaganda ao lado da quadra: Ricardinho manda uma bola chutada na entrada de rede ou uma rápida na saída. Passe errado atrás da linha dos 3 metros: Ricardinho levanta uma bola rápida para alguém bater de trás ou uma chutada bem veloz no meio. Para quem antes via um levantador armando as jogadas colado na rede, é bom ir se acostumando. Ricardinho agora arma o jogo de onde quer. Sem perder a velocidade.

Exagero? Acho que não. No calor desta conquista, nós, que estamos acostumados a louvar as vitórias desse grupo, temos dificuldades de isolar um desempenho individual. Mas a história lhe fará justiça. Tenho certeza que amanhã, em todas as quadras do planeta, os levantadores vão tentar imitar o Ricardinho. Um craque que, sem medo de errar, coloco ao lado dos grandes nomes do esporte que tive o privilégio de ver em ação como Schumacher, Michael Jordan, Robert Scheidt, Torben Grael, entre outros. Um atleta genial!