RENAS E RABANADAS
por André Pessoa.
Ah, Natal!!! Época em que podemos tirar os nossos corações da gaveta para enchê-los do mais puro cinismo. O calor que abunda neste verão escaldante, os enfadonhos filmes-família natalinos “la-criminosos” que passam na TV (onde - podem reparar - sempre neva), a miséria que recebemos a mais no salário de fim de ano (que não paga nem as primeiras prestações dos presentes que temos que dar). Isso tudo lembra o Natal. Mas nada barra esse cinismo de fingir acreditar que, de uma hora para outra, as pessoas irão se aceitar mais, se amar mais. Não se esqueçam que: durante o ano inteiro, todo parente é um filho da puta!
A campanha é forte. O refrigerante da família brasileira dá continuidade a sua "tática – clientelista -viciada" e nos oferta a velha musiquinha ranheta. As lojas contratam os simpáticos gordinhos desempregados que se submetem a colocar uma roupa infernalmente quente e aturar crianças pedindo presentes que eles nunca poderão dar a seus filhos.
Não são mecanismos muito eficazes se olhados com um pouquinho mais de inteligência, mas acontece que funciona com quem acredita em tudo e que carrega alguma culpa escondida nas águas do passado. Para ser feliz , não preciso acreditar em um velho gordo que adora criancinhas, vestido com uma roupa ridícula, carregando um saco nas costas e puxado em um trenó por uns bichos que nunca vi na vida. Nem pagar o mico de ficar sentado em volta de uma árvore, como em um ritual pagão, ouvindo musiquinhas chatas e agudas, iluminado por umas luzinhas cafonas e piscantes. Para acreditar no ser humano, não preciso venerar um rapaz que foi passar uns tempos no deserto com a mãe, com uma prostituta e doze homens. Muito estranho!
Por quê, ao invés de alimentar a ganância do capitalismo comprando presentes que as pessoas não precisam ou não gostam, você não pega este dinheiro (e todas as parcelas que serão debitadas no seu cartão de crédito) e faz alguma coisa concreta para melhora o mundo (só para lembrar, o seu mundo)? Por que você e seus familiares não se juntam para, com este dinheiro todo gasto nos festejos natalinos, propiciar alguns momentos decentes para alguns dos milhões que passam fome? Pobre não precisa de reza e nem de festa. Precisa é de comida e de oportunidade.
Mas, se você, mesmo assim, continuar acreditando no Natal, não venha depois ser hipócrita ao ponto de ficar procurando culpado para todas as mazelas do mundo. Assuma que você é assim mesmo e acredita no Papai Noel, no Coelhinho da Páscoa, no Ney Suassuna e no Severino Cavalcanti. Aproveite e vá para a rua, nu, enrolado com as luzinhas coloridas que sobraram dos festejos e com o pinheiro velho e sem folhas enfiado no cu, cantando Jingle Bells para festejar a posse do Maluf e do Clodovil.
É isso. Este é o clima do Natal. Pelo menos teremos uma semana de folga até o Ano Novo. Não é carnaval, mas dá pro gasto.