Esta é uma história podre. Prepare seu nariz, isso aqui cheira mal.
Em fevereiro de 2006, o Jornal Nacional da TV Globo fez um tremendo auê com uma série sobre pequenos assaltos no Centro de São Paulo. A reportagem mostrava como era fácil a ação dos punguistas e como havia uma rede que controlava a ação deles. As imagens reveladoras foram tomadas do alto do prédio do Banespa, por uma câmera amadora.
O principal responsável pelas imagens jamais veio a público. É o motorista, que presta serviços à Globo, Gilberto Spera Junior. Designado para acompanhar a equipe na reportagem, Gilberto, um paulista com jeito de nordestino, baixinho, forte, de fala firme e sonho alto, testemunhou os dois dias em que a equipe fez tocaia e nada conseguiu. Nenhum flagrante. A ordem da chefia não tardou:
- Chega, vamos desistir da pauta!
Desistir não é verbo que cabra macho saiba conjugar. Sem falar com ninguém, Gilberto correu atrás de uma câmera amadora, formato Mini DV, e, decidido, partiu sozinho para o local da tocaia. Sua alma lhe dizia que a paciência e a obstinação sempre são recompensadas. E foram. Depois de dois dias de frustrações, Gilberto finalmente captou a ação de um grupo de punguistas. E depois outra. Outra, outra. Dia seguinte, mais flagrantes. Feliz da vida, o "repórter cinematográfico" Gilberto Spera encaminhou o material à chefia de reportagem da Globo São Paulo. Aquilo era ouro em estado bruto. A peça principal da reportagem tinha finalmente aparecido. O resto era tecer a rede de discursos oficiais em torno: polícia, juristas, testemunhas, vítimas etc.
Antes de mais nada, o procedimento normal dentro da Globo é adquirir os direitos sobre as imagens. A empresa encaminhou a Gilberto um documento padrão onde ele, Gilberto, cede todos os direitos sobre as imagens em troca de uma remuneração. Por razões não explicadas, o documento era redigido no nome da mulher de Gilberto. Ele desconfiou mas, com medo de represálias, não quis falar nada. Assinou, pegou a grana e foi feliz assistir a reportagem.
Na exibição, as imagens de Gilberto apareceram creditadas ao repórter cinematográfico Wilson Araújo, que fazia parte da equipe que produziu a reportagem. Foi Wilson que, durante os dois primeiros dias, com uma câmera profissional, não conseguiu pegar nenhum flagrante. Vendo aquilo, Gilberto ficou revoltado. Mas o instinto de sobrevivência falou mais alto. Com medo de perder o emprego, o leite que sustenta a família, Gilberto guardou para si a revolta, não falou nada com ninguém.
Os meses se passaram. Recentemente, Gilberto ficou sabendo que a reportagem estava concorrendo a dois prêmios. O primeiro, prêmio de reportagem da Central Globo de Jornalismo, um evento interno, manipulado pelas chefias, que visa motivar as equipes. O outro, maior e mais importante, na categoria de "reportagem cinematográfica" do Prêmio Imprensa Embratel. A festa de premiação aconteceu na última quarta-feira, dia 6, no Rio. Quem venceu? O repórter cinematográfico Wilson Araújo, pelas imagens exclusivas e reveladoras da reportagem "São Paulo punguistas". Wilson, todo pimpão, apareceu para receber o checão de 6 mil reais das mãos do dublê de radialista e comediante, Maurício Menezes. Agradeceu, ouviu as piadinhas habituais e deu no pé. Nenhuma menção ao "colaborador" Gilberto Spera.
Em São Paulo, Gilberto ficou sabendo por um telefonema, no dia seguinte, que Wilson tinha ganho o prêmio e que a generosa idéia da equipe era dividir o prêmio por seis - o time envolvido na matéria. Como motorista designado, lhe sobrariam cerca de 800 pratas, já descontado o imposto de renda.
Mais um chute no balde da ética, mais um chute vergonhoso no direito autoral, mais uma história escabrosa para os anais do nosso jornalismo. Responda rápido:
- Quem são os verdadeiros punguistas?
Assim caminha a humanidade.
Antonio Basílio